terça-feira, 12 de maio de 2009

Gorongosa renasceu

Greg Carr, o homem que nos finais dos anos noventa abandonou uma intensa vida de negócios para criar a filantrópica Fundação Carr, e hoje, em parceria com o governo moçambicano gere o Parque Nacional de Gorongosa (PNG) contou à revista "National Geographic" o que espera que o PNG seja no final do seu projecto.O projecto de Carr, com a duração 30 anos, consiste na injecção de 31,6 milhões de euros na recuperação da vida selvagem e no desenvolvimento das comunidades humanas da região.Os relatos de Carr sobre o que lhe despertou interesse pelo PNG, assim como o "modus vivendi" do mesmo, foram publicados numa extensa entrevista que consta da edição de Abril da "National Geographic". Confira, a seguir, a entrevista:Como se interessou pela GorongosaNa década de 1990, fui co-fundador da empresa Online, que operava em países africanos e, através dela, conheci vários líderes africanos. Certo dia, conheci em Nova Iorque o embaixador moçambicano nas Nações Unidas, que me convidou a visitar o seu pais. Isto foi em 2000, mas só viajei em 2002. Muitos europeus e norte-americanos sabem onde fica o Quénia, a Tanzânia ou a África do Sul, mas desconhecem Moçambique ou confundem-no com Madagáscar. Ora, eu procurava um projecto que juntasse as necessidades da conservação da natureza com o desenvolvimento humano. A Gorongosa pareceu-me ser uma boa oportunidade. Há 40 anos, era um dos parques africanos mais conhecidos, mas convive hoje com uma das piores situações de pobreza do globo.O Seu projecto visa a conservação da natureza ou a recuperação das comunidades humanas?O desafio de todas as pessoas que trabalham em conservação é reconhecer que tem também de ajudar as pessoas que vivem perto das áreas protegidas. Ate o fazerem, não terão uma verdadeira solução. No pólo oposto, as pessoas envolvidas em projectos de desenvolvimento humano reconhecem agora que não se pode deixar de proteger o ambiente enquanto se promove o desenvolvimento. Isso obriga pessoas com formações e passados diferentes a trabalhar em conjunto. Eu quero juntar esses dois mundos porque, para restabelecer aquele ecossistema, tenho de ajudar as 250 mil pessoas que vivem na zona-tampão.As comunidades que vivem no parque não colocam problemas?São comunidades pequenas e recentes, provavelmente deslocadas pela guerra civil e, na maior parte dos casos, vivem perto das fronteiras do parque, pelo que talvez consigamos convence-las a mudar de local. Se as condições na zona-tampão melhorarem em termos de escolas, electricidade, centros de saúde e se ali criarmos melhores condições de cultivo, essas comunidades provavelmente deslocar-se-ão para lá. Demorará, mas valera a pena. Creio que há uma ligação obvia entre o desenvolvimento humano e o ecoturismo: se criarmos uma grande industria de turismo no parque, vamos criar empregos, mas isso não é suficiente. A maior parte dos habitantes vive da agricultura, pelo que temos de nos envolver e ajudar a melhorar as colheitas. Não só porque isso melhorará as suas condições de vida, mas também porque a agricultura sustentável, o uso adequado de água e a manutenção das florestas afectam tudo o resto.Que tipo de contributo pode o parque dar aos agricultores?Eles conseguem cultivar muitas coisas, mas não têm meios para além do cultivo. Por isso, a fruta apodrece nas árvores. Não existem estruturas para empacotar a fruta, processá-la, exportá-la para outros locais, ou seja, o que lhes falta são as outras fases do processo agrícola. Começamos assim por montar uma fabrica de secagem de fruta. Compramos fruta a produtores locais, secamo-la e exportamo-la. Com essa etapa, aumentamos o seu lucro e melhoramos a percepção que essas comunidades têm do parque. Além disso, diminuímos a sua necessidade de caçar furtivamente ou de cortar mais árvores e cultivar mais terrenos. Em último caso, reduzimos também a pobreza e a má nutrição.Em 2004, quando negociou a parceria com o governo moçambicano, tinha uma estimativa da situação do ecossistema?Havia muito mais vida selvagem do que se pensava. Havia 300 elefantes e pensava-se que não tínhamos nenhum. Havia 150 hipopótamos, muitos crocodilos, alguns leões. O nosso diagnóstico apontou a necessidade de reconstituir a população de predadores, como leões, e recuperar os ungulados do parque, como os gnus, os cobos-de-crescente e as zebras. Tivemos sucessos nas reintroduções dos dois primeiros, mas ainda faltam as zebras.As reintroduções têm sido feitas com recurso a animais do Parque Nacional Kruger na África do Sul?Quase todas as espécies reintroduzidas provêm do Kruger, excepto as zebras, que são uma subespécie endémica. Elas deverão vir do Zimbabwe, embora a situação política do país trave perspectivas de cooperação. Provavelmente, teremos rinocerontes antes de conseguirmos zebras. Reintroduzimos também búfalos do Limpopo (Moçambique) e hipopótamos de Isimangaliso (A.Sul).Em 2005, foi estabelecido um santuário de vida selvagem dentro do parque. Com que intençãoFoi um dos nossos primeiros projectos. Tem cerca de seis mil hectares, ou seja, cerca de 1,5% da superfície total. O santuário é essencial para as reintroduções: quando introduzimos os primeiros 200 cobos na região, sentimos que era necessário deixá-los nesse santuário durante alguns anos, pois a população aumentaria com mais facilidade e estaria menos exposta aos predadores. Reduzimos assim a necessidade de fazer tantas reintroduções.O parque já anunciou estimativas animadoras para as populações dos grandes mamíferos, como os hipopótamos e elefantes...São números animadores, mas há grande responsabilidade daquele cenário rico, de vegetação abundante, onde não falta água.Qual é então a principal fonte de preocupação?Preocupa-me a população de leões, que não está a aumentar. Vamos iniciar um estudo para perceber o que se passa. Talvez estejam a ser abatidos quando deixam o território do parque.Concordará que a recuperação do ecossistema é bem mais difícil do que a recomposição das populações animais, sobretudo contando com reintroduções...Claro. E essa é uma frente de batalha para muitos anos. Havia na Gorongosa muitos incêndios florestais, porque, sem os grandes herbívoros, a pradaria crescia demais. Começamos por criar uma equipa de gestão de fogos, capaz de realizar os fogos controlados apenas na estação húmida, antes do parque ficar muito seco. Por ano, pode até arder 20% daquele território, e isso terá acontecido regularmente durante os últimos dez mil anos, mas, se queimarmos 70% ou 80% temos um problema.Outro aspecto relevante é a geologia do parque. O grande vale do Rifte termina praticamente na Gorongosa. O parque é muito húmido na região central e, na estação das chuvas, a água pluvial desce as encostas do Rifte e leva o lago Urema a transbordar. Na época seca, o lago fica muito pequeno. A expansão e contracção desse lago gera uma enorme zona de pradaria. É por isso que esta é uma zona tão abundante para os animais. Na década de 1960, escrevia-se que a Gorongosa tinha mais animais do que qualquer outro parque africano. Há uma razão para isso: o ecossistema é perfeito. Mas tem de ser compreendido.Há ainda o problema de desflorestação...A serra da Gorongosa é uma preocupação. Não está dentro do parque, mas é muito afectado. Os agricultores querem criar ali mais zonas de cultivo. Temos de canalizar ajuda científica para as quintas que já existem. Há muita investigação no nosso projecto e, por isso, contratámos algumas dezenas de pessoas para ajudar a replantar a floresta na montanha, procurando travar a desertificação. Não podemos reflorestar toda a montanha, claro, mas podemos evitar a erosão das zonas mais vulneráveis.Quantos turistas recebe anualmente a Gorongosa?Cerca de sete mil. Quatro mil são turistas, e os restantes são estudantes e membros de comunidades locais.Colocando a questão de outra forma, qual é o limite do parque?Isso inclui duas perguntas diferentes: a meta e o limite. O limite pode ser de centenas de milhares de pessoas. O Kruger, por exemplo, tem perto de dois milhões de visitantes por ano.Com impactos visíveis.Sim. Eu gosto do Kruger, mas sinto-me na parque de atracções quando lá vou. Nós apontámos 100 mil pessoas como o nosso máximo. Repare que não seria excessivo, pois o parque é enorme. Daqui há 20 anos, talvez cheguemos a essa meta.Consegue adivinhar o rótulo que a população aplica ao parque?Algumas pessoas diriam que o parque é uma coisa boa, porque têm emprego ou um familiar trabalha para nós e um só salário tem um impacte enorme naquelas comunidades. Mas há várias pessoas que não ficam contentes, porque eram caçadores furtivos ou viviam do abate de árvores. Há sempre quem ganhe e quem perca. Mas penso que há mais pessoas a ganhar do que a perder.Com o crescimento do número de animais, antecipa problemas com as comunidades locais? Os elefantes, por exemplo, são um problema no Botswana...Se tivermos três mil elefantes em vez dos 300 actuais, será um problema. Se um elefante passar por uma quinta, pode destruí-la numa noite, afectando o rendimento anual de um agricultor. Essa é uma das razões que me leva a defender a não-reintrodução de muitos elefantes. Vamos manter os que já temos e aumentar essa população. Por força da experiência, as manadas do parque já conhecem os territórios onde não podem ir. Se trouxéssemos novos animais, eles vagueariam por todo o lado.Como imagina a Gorongosa no final do seu projecto?Eu penso que vamos recuperar a biodiversidade do parque. Espero também conseguir algum tipo de protecção para a serra da Gorongosa, mesmo que seja apenas o estatuto de reserva florestal. Isso é fundamental para proteger o abastecimento de água. Imagino que vamos ter também uma próspera indústria turística, porque ela já está a nascer, e ficarei bastante orgulhoso se conseguirmos criar muitos empregos na agricultura e se tivermos sucesso nos projectos de interesse social, como as clínicas e as escolas.Sobre Greg CarrGreg Carr não gosta que lhe chamem benfeitor e chega a dizer que o Parque Nacional da Gorongosa fez mais por ele do que ele alguma vez fará pelo parque. Representante da geração que estimulou a revolução informática nos Estados Unidos na década de 1980, Greg Carr teve a visão de fundar em 1986 a Boston Tecnology, a primeira empresa que comercializou o serviço de voice mail para empresas telefónicas. Rapidamente fez fortuna. Durante 12 anos, administrou esta e outras empresas que fundou. Em 1998, porem, abandonou as funções de gestão e iniciou a actividade filantrópica, criando, um ano depois, a Fundação Greg C. Carr.

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