terça-feira, 12 de maio de 2009

Aldeias de Matemo

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São cinco as aldeias de Matemo: Palussança, Missamola, Nhanisa, Muanakombo e Riuekulo. É incrível o número de crianças que aparecem na estrada a correr a pedir “foto”, “foto”… pois já se habituaram às câmaras dos turistas. Mas até chegar aqui houve um longo processo de aculturação.

Muitos dos locais nunca saíram de Matemo nem para ir à vizinha ilha do Ibo. Não conheciam outra realidade senão a da sua pequena aldeia. Nem outras raças. Jamais haviam ouvido o ranger do motor de uma moto ou avistado um navio de carga. Conheciam os seus dowhs, pequenas embarcações arábicas e alguns barcos mais pequenos, quando ouviam os motores ao longe, principalmente oriundos da ilha do Ibo que recebe todos os dias visitantes de outras ilhas. Não queriam nada disto para atazanar a sua paz. O seu mundo era aquele, apesar da dureza do dia-a-dia.
A população é 90% muçulmana, por isso cada homem tem no mínimo duas mulheres, o que na realidade não acontece, têm mais e sem condições para as manter, pois muitos nem trabalham. Daí o número elevado de filhos. As condições de pobreza são imensas e há crianças a passar fome. Quem sustenta a família são, regra geral as mulheres que cultivam algumas machambas, pequenas hortas de milho e mandioca e de manhã aproveitam a maré baixa para apanhar o alimento para o almoço. Reza a tradição que o homem quando casa deixa a casa paterna, acabando aí a sua responsabilidade para com a sua família de sangue e vai viver para casa da mulher. Depois quando arranja uma segunda esposa passa os dias de casa em casa de cada uma das famílias que constituiu. Alguns homens, no entanto vão à pesca, arranjam o telhado das casas com folhas de palmeira, makuti ou trabalham no novo hotel.
O processo de construir um resort exigiu muita paciência e tempo. A maioria da população não fala português, o dialecto predominante no Arquipélago das Quirimbas é Kumuani, sendo necessário recorrer a um intérprete para estabelecer a comunicação. Os chefes da aldeia foram levados a Pemba para ver o que era um resort e qual a finalidade do que ali em Matemo se pretendia construir e qual seria benefício para a comunidade. Tiraram fotos e foram acordadas contrapartidas.
O Grupo Rani construiu a mesquita, restaurou e ampliou a escola, construiu um hospital e tem ajudado a população na plantação de pequenas machambas, nomeadamente milho, pereiras e mangueiras, além de lhes dar formação, a maioria dos trabalhadores é local. A população faz ainda a secagem do peixe que vende no continente.
Durante a nossa visita vimos o tratamento e secagem do Ungo, peixe tipo carapau pequenino o chamado jaquinzinho são limpos e colocados ao sol durante dois dias, depois vendem-nos. O peixe maior já tem de ser salgado. Observamos ainda à abertura do coco recorrendo à ponta afiada de uma enxada e à recolha de material da terra para as aulas de oficina da escola primária.
O dinheiro dado pelo Governo chega para o giz, cadernos, lápis e alguns livros, por isso fazem tinta verde com folhas de feijão, o castanho é obtido de uma mistura de terra e água, o amarelo é feito com as folhas de uma outra planta, o preto é do carvão deixado pelas cinzas das fogueiras e os pincéis são de fios de coco. Um trabalho de casa que está quase concluído. Aprender a ler e a escrever tem sido uma árdua tarefa, pois a maioria dos locais fala em dialecto Kimuani. Ainda muito há a fazer por esta comunidade. As crianças fazem bolas com preservativos porque os pais não os utilizam. Urge investir em formação e educação.
Um projecto que o resort já tem em mãos.Falámos ainda com Íman, chefe da Mesquita da primeira aldeia que se chama Selemani Injabo. Reza cinco vezes por dia e todos os dias às quatro da manhã sobe as escadas laterais do seu templo para entoar o cântico do chamamento dos fiéis, depois volta a fazer o ritual ao meio dia, às quinze, às dezoito e às dezanove horas. À entrada do primeiro degrau vemos umas chaleiras com água para limpar as mãos, pés e rosto. Para adorar Alá deve estar-se limpo de todas as impurezas. Quem não puder cumprir com estes horários tem de ir à sexta-feira ao chamado Jamou, por volta das onze horas. Este dia Alá não perdoa, explica o responsável, pois pelo menos uma vez na semana devem ir rezar ao templo. As mulheres têm uma entrada lateral onde fazem as orações. Homens e mulheres nunca se cruzam. A aldeia tem ainda um campo de futebol onde as equipas das ilhas fazem torneios, chegam a demorar cinco horas de barco à vela para irem jogar ao IBO, por exemplo e um poço com água quase bebível, digo quase porque tem sempre 10% de sal, daí que as crianças peçam sempre água quando se cruzam com os turistas.
A cultura árabe está bem presente neste pedaço de chão desde a forma como as mulheres usam o lenço até aos costumes. Aqui poderá ainda ver a típica mascara do Mussiro, usada para amaciar a pele e proteger do sol. Algumas crianças começam a fazer este ritual desde tenra idade. A equipa do Sapo experimentou e sente-se como se fosse argila. Puxa a pele. Só que em vez de ser barro é a raiz de uma planta e tem de ser esfregada numa pedra misturada com um pouco de água e colocada com um pincel, depois seca em minutos.
As casas de Matemo têm uma construção diferente. São feitas de caniço com pequenas pedras e segundo consta foi este gesto de maticar que deu origem ao nome da ilha. Os telhados seguem a tradição de folha de palmeira. Ao longo das vilas avistam-se pequenas mercearias com alguns bens de consumo, como óleo, massa, arroz, bolachas, leite condensado, salsichas, atum em lata, entre outros mas a quantidade é sempre reduzida. Deve ser reabastecido à medida do poder de compra do comerciante, que é sempre parca.
Texto: Teresa Cotrim

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